segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Uma Pedra no Sapato

Deram-me uma folha branca, o mais branco que possam imaginar. Suspirei e arrepiei-me. Que vou fazer com uma folha? Virei e tornei-a a virar, do avesso e direito, de cima para baixo, da esquerda para a direita; que iria eu fazer com uma folha e, ainda para mais branca? Perguntei a todos os que pudessem saber: ignorantes, génios, comuns e incomuns; E todos sabiam a resposta menos eu. Todos riram-se perante a minha angústia e continuo sem saber a resposta. Tive pesadelos tanto como sonhos, suei e desmanchei os lençóis e nada de resposta. Até no trabalho sentia-me incomodada, parecia que todos os olhares caiam sobre mim perante a minha dúvida. É sempre a mesma coisa quando saio de casa (fico paranóica só de proferir), todos olham para mim, todos seguem o meu caminho, todos estão à espera. Tornei-me tão diferente apenas por querer saber e diferente por querer compreender. É facto que ainda tenho a minha folha branca e, podia queimá-la, rasgá-la em pedaços, torturar a pobre criação tal como ela me tortura a mim. É tão difícil, é sim senhor. E se eu vou presa por a queimar? E se não for o meu destino rasgá-la? Só perguntas e nada de respostas. Cruel impasse em que me encontro. Sinceramente não sei, uns escrevem em folhas, outros pintam e há ainda quem faça figuras com elas. Tudo isto me faz confusão, afinal tantas coisas em que uma folha branca se torna e esta não passa de isso mesmo, uma folha vejam lá! Pareço velha de assim falar, mas muito isto me atormenta, fica tudo a olhar para mim à espera que tudo se desvaneça. Talvez molhe a folha e faça pasta de papel, mas assim iria ter de novo uma folha e não tão branca como a primeira; quero acabar com a folha e nasce-me uma de retorno. De certeza que deve haver um polícia do papel, para controlar os maus usos deste. Com certeza que à prisão vou parar se continuar com estas ideias absurdas, talvez por homicídio ou agressão. Poderia tentar capturar insectos com ela, mas acabaria por ficar amachucada. De uma vez por todas, que hei-de eu fazer com uma folha branca? Maldito o dia e hora que uma mulher ou até homem decidiu criar uma folha! Tantas coisas que podemos fazer sem usar folhas, porque tinham que me dar uma? Pff, dar uso à imaginação! Pouca imaginação teve quem me deu esta folha, sorrateiramente posta por debaixo da minha porta.
Ao que tudo chegou! Já passaram tantos dias e continuo no mesmo, nem resposta que chegou nem folha que se foi. De tão paranóica que estou nem de casa saio, é provável ter sido despedida mas nem isso sei, cortei a linha telefónica. Encontro-me em desespero, passo os dias, horas, minutos e todos os milímetros de segundo que vejo no relógio da cozinha a olhar para a folha em branco. Se apenas eu me atrevesse a fazer algo, nem que fosse escrever estaria tudo acabado. Mas não consigo, o receio é por demais. Tantos “ e se?” ecoam na minha mente. Não, não e não! Sou incapaz. E se for apenas um risco? Ajudaria a acabar com o meu tormento. E se um risco for proibido? Se tudo fosse mais fácil, se eu soubesse a resposta, se tu me salvasses. Nem a deuses vale a pena recorrer, eles são mais velhos que o papel e de certeza que se assustariam mais que eu. Tudo bem que quando me mandam fazer dois mais dois numa folha não tem mal, afinal eu sei o que tenho para fazer. Mas o pior é que me deram uma folha em branco e mais nada! Vou tentar relaxar, respirar, acalmar. Pensa cabeça, pensa que hei-de eu fazer com uma folha em branco?
E no meio de tantos choques que ocorrem no meu cérebro, finalmente encontrei. Sim é verdade, como não pensei nisto antes? Angústia, tormento e dúvida, tanto para nada. Hoje encontro a resposta que anteriormente não tinha. É tudo muito mais lúcido, tudo mais racional. Os meus medos foram-se e, polícia ou não, finalmente, encontrei a coragem para encontrar uso à minha folha. E foi assim, que freneticamente peguei na minha folha branca e lhe dei proveito. Pode parecer simples agora, mas foi algo que me levou muito tempo. Escrevi nela o meu nome, nem mais nem menos. Assim, era eu que me inseria naquela folha que tanto raciocínio me levou. Deixara de ser uma folha branca para ser eu em folha. O meu nome ficou lá escrito e a partir deste dia tudo mudou. Eu venci perante a folha, aplausos para mim. Com muita graxa e custo voltei ao meu emprego, as pessoas já não reparam em mim e deixei de ser paranóica. Passei a tormenta e dobrei o cabo, mas da próxima folha que me calhar perco o juízo e fujo para bem longe. E deste pequeno grande feito, tudo o que sobrou foi uma Polaroid minha e uma folha guardada. Na Polaroid estou desmazelada, foi fruto do momento. Quanto a folha, não tenho coragem de olhar nem tão pouco de a tocar. Sobrevivi, é tudo o que tenho para dizer, sou grandiosa e invencível!
E no meio deste rodopio todo, esqueci-me que a minha formiga está constipada. Vou sair de casa, aviar o remédio dela.