domingo, 22 de março de 2009

fui o saltibanco que enjou com a maresia. engoli e cuspi; saltei e sacudi; afinal de que serve os pássaros voarem?

segunda-feira, 3 de novembro de 2008


pedi-te um segundo, um minuto - eu sei uma hora é demais.
joguei com o que tinha e já isso era pouco.não, não está aqui ninguém e é por isso que tu não vens?
quanto menos colheres melhor o jogo e, enquanto o faqueiro encolhe, mais fundo golpeias.
de todos os frascos na prateleira fui tirando um a um. a cada boião que cai são os estilhaços de geleia e vidro que me dão a torrada.
isso da luz foi pouco... e o prémio final derradeiro.
regredi até ao ponto de não regressar, porque eu cometi o erro ao voltar.
sim fui eu, contornei o gato e escondi a luz.
eram 13 para as 17 e escondi-a no meu bolso para que houvesse razão para enganar.
agora que preciso, que procuro não a encontro.
tenho um buraco no bolso e perdi a razão para sempre.
estar na fila já não importa e o que me disseram foi: "até um dia."

terça-feira, 28 de outubro de 2008

não há nada de preciso para dizer, apenas que sinto. sinto a tua falta ou o toque de puder contar contigo quando está escuro. eras tu que, quando fazia frio vinhas esperar-me à soleira da porta e aquecer o meu corpo quente, aquele meu corpo não habituado ao gélido frio da manhã. era a tua camisola de lã azul que eu de tão perto via e queria cheirar, agarrar, tomá-la minha. eras tu que selavas os meus olhos com beijos e tornavas tudo escuro e, no entanto, tão apaziguador, calmo. eras tu que lá estavas para me aquecer no teu abraço, para sorrires para mim. eras tu, aquele menino homem, que tudo me dava sem exigir nada em troca. sem te dares conta, deste-me a tua tristeza, a tua alegriae o teu mundo.
enfim, ondes estás tu menino homem?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

olha para onde eu corri mãe, foi para longe. olha onde eu cheguei mãe, foi ao mar. olha como eu cresci mãe...
não sei onde fui parar, depois de crescer. não sei para onde corri, depois de crescer. não sei da minha mãe...
depois dos lápis e das maravilhas, vieram as collants e as tiranias. ousadas, sujas e cansativas.

é tempo de ir repousar, por entre as tempestades e luzes.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sou o rapaz bolha. Sim, vivo numa bolha. Uma bolha minha, só minha, onde a água rodeia-me e sou incapaz de ver a minha própria mão. Deixo-me fluir entre a água à espera de uma resposta, mas estou estagnado, doente e a água está turva. Eu gostava de viver na água mas fartei-me porque tu vivias comigo - respiravas o meu ar - bolhas de ar, água, de ti; e agora? Virei turvo, carrancudo - se tu soubesses. Um dia teria de acabar não é verdade? Poderias ter esperado mais, mas és repentina. Tiraste-me o fundo e levantaste a rolha. Já não sou nenhum rapaz bolha, mas um homem numa banheira vazia.

Se ao menos pudesse dormir para sempre. E.B

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

"dá-me a tua melhor faca, pra cortarmos isto em dois e amanhã esquecer."
L.M.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Sim, quero um chá. Quero um chá para me apagar. Quero um chá para me consolar. Quero um chá para me embalar. Quero querer, saber. Quero puder ser eu, puder repetir.
Olha, é ali, foi ali, será ali? É um horizonte, com queda... queda para a luz - fora de mim.
Quebrou, fundiu, pifou.

Esqueceu, esqueceu-se... do óbvio, do quase nada tudo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

não penso quando está escuro e tenho preguiça
o tempo foge como sempre mas eu deixo-o correr
se há um sentido desorganizou-se para mim
com sono não tenho dor

até amanhã dia de hoje

sexta-feira, 11 de julho de 2008

avidacorresemparar, semdizernadaaniguémouparaondevai.
leva-nosanós, aeles, atieamim.
nãoavisaninguém, nãonosdizparaondevai, arrasta-nos, parasempre, paratodoolado.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

gritos, muitos deles por aqui.
não me sobra fôlego - roubaram o sopro.

sábado, 21 de junho de 2008

vamos descansar um pouco, dormir nesta canção de embalar.
barco, nobre barco vai partir.
outras eras, outras feras - já foi tudo com a maré.
toca com o pé, foge a correr.

trapézio de cor - bailarina partida

quarta-feira, 4 de junho de 2008

pontos, é isso que são, pequenos e grandes buracos numa ou outra fotografia.
eu, nem tu, nem ele ou alguns de nós tem cara.
buracos de fumo. buracos de ausência.
foi o vício, foi o tabaco, foi o alcool, foi a droga.
semi-vida de outra inteira que julgámos possuir.
hoje lavo o meu pêlo e deixo-me fugir, sem olhar para trás ou ressentir.
as cantilenas sossegaram, o tempo virou - o giz estalou

lenina de afiados bigodes dá-se como desaparecida

quinta-feira, 22 de maio de 2008

a ruiva doirada vida persegue. dói-me o corpo e estou dorida. fotografei-te para nunca mais querer lembrar. o sentido não se tem. sossego o meu pêlo, tenho os meus bigodes.
vivo para sempre nunca mais.

domingo, 11 de maio de 2008

engano-me a mim, cá dentro, cada vez mais, perdida, algures, sem caminho, perdida, sozinha, talvez confusa, sem tecto, sem abrigo, sem compostura, mentindo, sorrindo, chorando, perdida, grito à vida, engano, a mim , a ti, a eles, a vós, a nós, a ele, ou ela?, minto, sem parar, a conversar, a pensar, a desejar, perdida, por estradas difíceis, não aceite, rejeito, a mim, a ti, a ele, a nós, selvagem, mentira, pretérito perfeito do passado, mais mentiras, pretérito imperfeito do futuro, não pára, nunca pára, continuo, sempre, cada vez mais, em mentiras, engano-me a mim, cá dentro, engano-te a ti, mais do que devia

sexta-feira, 25 de abril de 2008

desligaram-me o interruptor. pedaço a pedaço de terra, desviei-me enquanto pude e, com caleidoscópios enquanto olhos vi tudo a dobrar...

quarta-feira, 16 de abril de 2008


é baço, tudo muito baço realmente.
as coisas parecem desvanecer.
agarro-me, a tudo quanto posso.
sussuro
não me deixes cair.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Na rua de Kobayashi

Ela sentira-se hesitante. Tudo na sua voz denotava confusão e insegurança. Seria acaso, ou infeliz infortúnio estar ali? Aqueles olhos negros qual água escura que a fitavam em expectativa. Queria dizer, fosse o que fosse, apenas para confortar o desespero que se enraizava nele, mas tudo o que lhe surgia era ausência. Os seus medos eram seus, as suas palavras para si. Independentemente da força, segurança ou até afecto que tentava transmitir-lhe, ela queria apenas confundir-se qual mestre de transparência.
– Tem, tem… tem a certeza?
Ainda que a verdade fosse tão inquestionável quanto a existência de gravidade, as esperanças não se abalavam por mais que o pêndulo dançasse. Esperava, sim fervorosamente esperava, por uma oportunidade mais. Queria ouvir o gato miar suavemente por entre as suas pernas, ouvir as tão embriagadas palavras dela ao seu lado, ouvir as ternas carícias dele por cima do seu ombro. O quanto se angustiava por eles.
– Acredite. Não há qualquer dúvida no que lhe digo. Poderá querer negar, acreditar numa aurora findado um pesadelo penoso, mas a sinceridade é esta.
Fora caloroso, calmo, compreensivo, tudo o que não desejasse que fosse. Apenas relembrava-lhe a realidade tão custosa de suportar. Os factos, tão ironicamente, alegres ou talvez felizes. Uma pessoa fora-lhe verdadeira! Dois lagos reais de um intenso negrume presentearam-na com uma sinceridade que, com relutância já não pretendia com qualquer ardor. Não, não havia retorno. Sentiu uma impotência chegar a proporções tais, uma frustração desimpedir caminho para uma separação que ameaçava não abandonar. O fim ocorreu como um socorro, abrupto mas definitivo.
- Desculpe, mas tenho mesmo que sair.
E com tal, o seu corpo nunca antes fora tão rápido, nunca antes tão ágil sobre tão escanzeladas pernas. Fugir, sim, fugir para um local bem longe onde pudesse respirar. Já à porta, ainda vislumbrou pelo canto do olho a culpa emoldurada no rosto dele, uma culpa deslocada no espaço, um sofrimento que não devia ser o dele. Contudo, ela não podia parar, não poderia sentir remorsos, sabia que eventualmente ele iria recuperar afinal estava na sua natureza, mas ela… Ela seria outra história. Os seus pensamentos não a abandonavam, a verdade ribombava-lhe aos ouvidos «Desapareceram! Todos desapareceram! Ela, ele, nem gato sequer! Que será de mim? Nunca estive sozinha, nunca experimentei a solidão e, e de uma só vez todos me abandonaram.».
Todas as suas “alucinações” desapareceram, sumiram num tempo e espaço para o qual nunca conseguiria alcançá-los de novo. Estava separada de tudo e de todos. O que muitos considerariam como uma bênção, ela agora chamava-lhe de maldição.
Os medicamentos tinham feito o seu propósito, estava curada.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

a loucura é banal.
a diferença é banal.
são esquesitos os banais.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

o líquido que escorria da tua rasgada boca e, que tão deliciosamente, fazia-me pulsar o comportamento, era vermelho escuro, rubi ao meu inóspito olhar. pelo menos penso eu, seja através do gotejar que, lentamente, vejo provenir daquela cremosa substânica e de granular textura ou, da maneira como brota dos teus lábios.
finalmente, propus-me a lamber um pouco, com receio. que paladar! que explosão! sublime doce de framboesa! devorei o resto ao sorver os teus traços sensíveis.
selei-te com um beijo para outro dia.

segunda-feira, 31 de março de 2008

às vezes a vida seria melhor se fosse simples. quem sabe se todos os desgostos não seriam poupados? às vezes vivemos a vida por viver, e há tantas coisas que deixamos por fazer. não vou desejar não querer ler as entrelinhas, mas aquelas linhas tão suaves, por vezes, magoam mais do que deviam.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Uma Pedra no Sapato

Deram-me uma folha branca, o mais branco que possam imaginar. Suspirei e arrepiei-me. Que vou fazer com uma folha? Virei e tornei-a a virar, do avesso e direito, de cima para baixo, da esquerda para a direita; que iria eu fazer com uma folha e, ainda para mais branca? Perguntei a todos os que pudessem saber: ignorantes, génios, comuns e incomuns; E todos sabiam a resposta menos eu. Todos riram-se perante a minha angústia e continuo sem saber a resposta. Tive pesadelos tanto como sonhos, suei e desmanchei os lençóis e nada de resposta. Até no trabalho sentia-me incomodada, parecia que todos os olhares caiam sobre mim perante a minha dúvida. É sempre a mesma coisa quando saio de casa (fico paranóica só de proferir), todos olham para mim, todos seguem o meu caminho, todos estão à espera. Tornei-me tão diferente apenas por querer saber e diferente por querer compreender. É facto que ainda tenho a minha folha branca e, podia queimá-la, rasgá-la em pedaços, torturar a pobre criação tal como ela me tortura a mim. É tão difícil, é sim senhor. E se eu vou presa por a queimar? E se não for o meu destino rasgá-la? Só perguntas e nada de respostas. Cruel impasse em que me encontro. Sinceramente não sei, uns escrevem em folhas, outros pintam e há ainda quem faça figuras com elas. Tudo isto me faz confusão, afinal tantas coisas em que uma folha branca se torna e esta não passa de isso mesmo, uma folha vejam lá! Pareço velha de assim falar, mas muito isto me atormenta, fica tudo a olhar para mim à espera que tudo se desvaneça. Talvez molhe a folha e faça pasta de papel, mas assim iria ter de novo uma folha e não tão branca como a primeira; quero acabar com a folha e nasce-me uma de retorno. De certeza que deve haver um polícia do papel, para controlar os maus usos deste. Com certeza que à prisão vou parar se continuar com estas ideias absurdas, talvez por homicídio ou agressão. Poderia tentar capturar insectos com ela, mas acabaria por ficar amachucada. De uma vez por todas, que hei-de eu fazer com uma folha branca? Maldito o dia e hora que uma mulher ou até homem decidiu criar uma folha! Tantas coisas que podemos fazer sem usar folhas, porque tinham que me dar uma? Pff, dar uso à imaginação! Pouca imaginação teve quem me deu esta folha, sorrateiramente posta por debaixo da minha porta.
Ao que tudo chegou! Já passaram tantos dias e continuo no mesmo, nem resposta que chegou nem folha que se foi. De tão paranóica que estou nem de casa saio, é provável ter sido despedida mas nem isso sei, cortei a linha telefónica. Encontro-me em desespero, passo os dias, horas, minutos e todos os milímetros de segundo que vejo no relógio da cozinha a olhar para a folha em branco. Se apenas eu me atrevesse a fazer algo, nem que fosse escrever estaria tudo acabado. Mas não consigo, o receio é por demais. Tantos “ e se?” ecoam na minha mente. Não, não e não! Sou incapaz. E se for apenas um risco? Ajudaria a acabar com o meu tormento. E se um risco for proibido? Se tudo fosse mais fácil, se eu soubesse a resposta, se tu me salvasses. Nem a deuses vale a pena recorrer, eles são mais velhos que o papel e de certeza que se assustariam mais que eu. Tudo bem que quando me mandam fazer dois mais dois numa folha não tem mal, afinal eu sei o que tenho para fazer. Mas o pior é que me deram uma folha em branco e mais nada! Vou tentar relaxar, respirar, acalmar. Pensa cabeça, pensa que hei-de eu fazer com uma folha em branco?
E no meio de tantos choques que ocorrem no meu cérebro, finalmente encontrei. Sim é verdade, como não pensei nisto antes? Angústia, tormento e dúvida, tanto para nada. Hoje encontro a resposta que anteriormente não tinha. É tudo muito mais lúcido, tudo mais racional. Os meus medos foram-se e, polícia ou não, finalmente, encontrei a coragem para encontrar uso à minha folha. E foi assim, que freneticamente peguei na minha folha branca e lhe dei proveito. Pode parecer simples agora, mas foi algo que me levou muito tempo. Escrevi nela o meu nome, nem mais nem menos. Assim, era eu que me inseria naquela folha que tanto raciocínio me levou. Deixara de ser uma folha branca para ser eu em folha. O meu nome ficou lá escrito e a partir deste dia tudo mudou. Eu venci perante a folha, aplausos para mim. Com muita graxa e custo voltei ao meu emprego, as pessoas já não reparam em mim e deixei de ser paranóica. Passei a tormenta e dobrei o cabo, mas da próxima folha que me calhar perco o juízo e fujo para bem longe. E deste pequeno grande feito, tudo o que sobrou foi uma Polaroid minha e uma folha guardada. Na Polaroid estou desmazelada, foi fruto do momento. Quanto a folha, não tenho coragem de olhar nem tão pouco de a tocar. Sobrevivi, é tudo o que tenho para dizer, sou grandiosa e invencível!
E no meio deste rodopio todo, esqueci-me que a minha formiga está constipada. Vou sair de casa, aviar o remédio dela.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Um adeus aos mortos

- Porque é que morreste? Desististe do mundo e de tudo o mais. Abandonaste a minha alma para ser pescada.
E foi desta forma que Sabine se tornou apenas mais uma sereia, uma tal como tantas outras. Como se as reconhecem? Quanto maior for o seu salto para o abismo, mais esplendorosas serão. O seu grito, o seu chamamento de amor. Ah, tudo mentira. Se apenas soubessem de como são criadas estas sereias, mas tudo o que fazemos é admira-las. Os seus lindos reflexos e beleza. Tornaram-se peixes gritantes, amantes esplendorosos. Contudo, são apenas suicidas que desistiram de uma vida de cinismo e de falta de paixão. São almas perdidas para sempre que se atiram do alto da ponte, e mais tarde abraçam o mar ou rio como seus na eternidade. E no alto da vertigem o seu grito chama-nos, seduz-nos, encanta-nos, e sentimo-nos tentados, senão impelidos a seguir as admiráveis sereias tornarmo-nos uma delas.
No terrível salto, a nossa roupa evapora e a nossa pele, gradualmente, torna-se em escamas multicolores de vários tamanhos e feitios. Deixamos de ser humanos para nos afogarmos no profundo inferno do mar. E aí ocorre o final da transformação, perdemos a humanidade, a alma, o sopro que nos faz viver. Morremos finalmente, morremos para tudo e todos, e aí vivemos para morte. É horrível decerto, mas mais vale saber a verdade que ignorá-la. As sereias que amamos são fruto de um tabu. Palavras que não devem ser ditas ou sequer pensadas. Arrisco-me a pensar, para quê? Para apaziguar a minha mente que deve ser acalmada, tranquilizar uma alma que não quer saltar. Não quero ser um mito alado do mar para já, quero viver e recolher o que de pouco ou muito a vida tenha para dar. Mas estes pensamentos existem, em mim, em ti, em todos e, ainda assim, todos parecem negar. Os sonhos do salto, a cinza da nossa pele que lentamente desvanece no ar: são as feras do nosso coração. E com um misto de alegria e tristeza no olhar, eu observo a coloração das escamas do teu corpo. És esguia, de traços definidos, bela Sabine das profundezas. Com a tua partida todos perdemos, mas o mar ganhou a sua vantagem. O teu grito é como uma peça de Bach, calma e profunda, um encantamento extraordinário sem comparação.
E, no parque à beira-rio despeço-me de ti. Poderia ser tudo lamúrias mas finalmente me liberto de ti, mortal Sabine de outros tempos. O parque é como uma visão da pessoa que outrora já foste. Grandes árvores de um verde penetrante jamais visto, longas mas suaves aragens de um toque agradável, o rubor de cânticos selvagens da vida. E num antigamente, não tão distante, tu foras em vida mais bela que qualquer sereia. Esbelta Sabine de olhar fulminante. E parado a olhar para uma água que apenas me reflecte a mim à beira rio, pronuncio delicadezas intemporais:
- Até nunca mais, possibilidade impossível. Grita quanto quiseres, mas o meu amor por ti era pela tua alma viva.
Num grito ensurdecedor o mundo ruiu, não o meu mas de mitos alados. Na minha consciência tudo era tranquilo, finalmente a sinceridade cruzou no meu caminho.
- Adeus, ponto final

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A Casa de Espelhos


É estranho como as coisas acontecem, afinal, eu vi-te da mesma forma que me vi. Tinhas os mesmos olhos, cara e corpo mas tudo era diferente. Do teu lado da vida havia uma essência desigual a mim, parecia tudo mais aquoso e gelado. É verdade que não deixa de ser engraçado a forma como te reencontrei, por entre reflexos mal formados. No entanto, tenho que ser sincera, sinto sempre o mesmo torpor quando te revejo. Qual bolha que me envolve sinto o mundo a acelerar, cada vez mais rápido tal como um carrossel que gira e gira sem parar. E para piorar, as pessoas à minha volta entram em lentos comas, destoando da velocidade do mundo. É inútil tentar raciocinar algo de coerente e, quando tento falar os meus lábios cerram-se cada vez mais. Às vezes espanta-me como aguentas o contínuo borbulhar de ruído, sons que cada vez mais alto se sobrepõe até convergirem no mais puro silêncio. Sim, é angustiante perder o controlo em mim. Não pensas o mesmo? Perco a ordem e equilíbrio e nada parece fazer sentido e, quando a coragem finalmente chega para te tocar, sinto apenas o toque do meu corpo.
Aconteceu tudo de repente, o acordar do meu sonho latente. Sou assim de voos constantes entre realidade e imaginação, como um botão on e off que continuadamente carregam por pura diversão. E se achasse que tivesse nome digno de mencionar diria, mas considero-me apenas ausência. Queria que percebesses porque fugi de ti quando estava prestes a alcançar-te, distraíram-me com vontades sem reais fundamentos. Mas eu sei que voltarei a ver-te, sei a tua verdade e não é difícil de chamar por ti. E um dia tudo será de louvar, irei passar a fronteira e conhecer outros calores.
E foi passado três tempos que de novo te vi, numa noite escura e brilhante como tantas outras. Tinhas feito a tua magia decerto, sentia mais uma vez a bolha que me enclausurava para perto do outro lado. Quis tocar-te para apenas sentir o meu toque em mim, ilusão na qual sempre me encontro. Mas por fim gritei, acima de todo o ruído:
- Porque é que seques as minhas viagens, se tens o teu mundo para viver?
Foi ousadia minha talvez, correr o risco de nunca mais o sentir, o meu reflexo no outro mundo. E igual a todos os outros momentos, a resposta à minha voz foi ela própria. Eu serei para sempre a realidade e imaginação, apesar de inúmeras vezes as ter tentado separar. De novo chego a conclusão que, eu e mais eu serei pois o que quero desagregar não se divide. Eu viajo e o meu reflexo segue, qual fiel companheiro que para a eternidade permanece. E graças a essa união eu vivo e o outro lado também, realidade e imaginação que mutuamente se alimentam.
E de novo ligam-me à vida, saída de um coma, de um sufoco e mais uma vez respiro no que penso ser a realidade.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Um Conto aos Corvos

E ela dissera:
- Ganha juízo.
Nem mais nem menos. E assim fiquei, estático, imóvel, retribuindo-lhe o olhar. Olhava para os seus profundos olhos cor de chocolate, que sugavam cada parte do meu ser para perto dela. Depois atingira-me, deixara de ser eu enquanto a mirava! Deveria ter gritado, vomitado as minhas entranhas mais o seu líquido pestilento e obscuro, debater-me perante ela qual titã enfurecido. Acima de tudo deveria ter-me defendido, mas nada fiz e ali fiquei: perplexo, apático. Em conjunto, éramos duas estátuas em silêncio que para a eternidade se fitavam mutuamente. Contudo a verdade era outra, estávamos vivos e a cada um pertenciam um coração sangrento que batia num ritmo diferente.
Quando tinha percebido o que se passava, já as vozes se elevavam a extremos tais que todos os entendimentos se rompiam. E por mais estranho que soe, ela venceu. No seu olhar não se percebia qualquer perturbação, apenas alívio de uma alma que tudo proferiu. No entanto, sentia-me como morto, sem vida ou sopro em mim, era de uma ausência de vontades. É verdade, admito, não estava preparado para ouvir o mundo e acreditar em todos os meus erros. Hoje estou derrotado, abatido e chocado. Nunca antes, eu não tinha sido eu, concha sem motor ou causa, e agora aqui estou de corpo vazio. E em tudo isto, ela olha para mim de feição alterada, parece incrédula, surpreendida; percebe que não estou em mim, que me afectou. Mas não vou permiti-lo por mais tempo, quem sou sempre o serei e de novo quero encher-me de vida. Só preciso de tempo para abrandar e de novo avançar nesta vida de meros tolos paradoxais. Não prometo ou jurarei, mas sei que voltarei a mim próprio: insano, pérfido e absurdo, talvez um pouco mais consciente e teimoso. De novo serei Pierre o Louco, com histórias sem alguma utilidade ou convenção e tudo em mim será mais uma vez questionável. E como um poder que se esgota mas mais tarde retorna, sinto essa mudança a principiar. Ela olha para mim suplicante, nervosa, com receio, pressente o que se avizinha e o que vai na minha mente. E conforto-a perversamente pronunciando meros sorrisos, o que de melhor posso proferir invés de palavras. Delicioso sorriso de perdição que até a mim me causa arrepios. Está prestes a começar, o seu mais temido pesadelo de desgraça. E por fim, os meus sons flutuaram pelo ar:
- Não tenhas medo minha querida. Tiveste o mundo num minuto, dá-me o resto agora! Descansa, afinal não sou assim tão pérfido quanto julgas.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Abismos

Tenho olhos, boca, nariz, ouvidos e tacto.
Contudo, quem sou?
Tenho alma, filosofia, ética, bondade e malvadez.
Contudo, quem sou?
Tenho orgãos, tecidos, moléculas e sistemas.
Contudo, quem sou?
Diz-me, diz-me a verdade.
Contudo, conta-me quem sou. Faz as tuas magias.
Elabora o meu plano. Acalma a minha mente. Sinto-me em ressaca.
Sem plano ou memória. Sim, sou de pequenas frases. A minha mente corre e não a acampanho. Contudo, o que sou?
Falo a 100 à hora. Diz-me quem sou. Pedaço de matéria como sempre. Um canto qualquer num cérebro. Estático, extasiado. Vou gritar! Vociferar. Diz! Diz quem sou. Não mintas mais. Sinto-me bêbedo, louco a espumar. Preciso de segurança, saber que não vou enloquecer. Não quero sentir as correias, quero a liberdade! Anos e anos preso por detrás de normas, tabus e sociedades. Não devo contudo quero! Ahh, o turpor da mentira, da devassidão. Cada palavra que não deve ser dita. A alegria que é sentir-me livre e o pesar, sim o pesar. A cabeça que ligeiramente tomba a cada letra dita. O riso maléfico a cada tecla premida. Sou louco, temo-me a mim próprio. Cada vez mais paranóico. Sou alma perdida.
Contudo, diz-me quem sou.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Gestos

Poderia descrever quem sou, contudo não vou. Poderia ser milhares de números e muito mais que usos, mas na verdade sou apenas quem sou.
Afirmar personalidades, aquelas puras vontades. Verdade seja dita, quero apenas viver, escrever enquanto posso, amar e ser alguém.
Vou voar agora e ir mais além, tentar as sortes, viver no limite. Olho a cinzentos, ao metal da cidade e a rebentos.
Quando for a altura, aí definitivamente morrerei. Pode ser hoje ou décadas a fundo, até lá, vem cidade, encontra-te junto.