segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A Casa de Espelhos


É estranho como as coisas acontecem, afinal, eu vi-te da mesma forma que me vi. Tinhas os mesmos olhos, cara e corpo mas tudo era diferente. Do teu lado da vida havia uma essência desigual a mim, parecia tudo mais aquoso e gelado. É verdade que não deixa de ser engraçado a forma como te reencontrei, por entre reflexos mal formados. No entanto, tenho que ser sincera, sinto sempre o mesmo torpor quando te revejo. Qual bolha que me envolve sinto o mundo a acelerar, cada vez mais rápido tal como um carrossel que gira e gira sem parar. E para piorar, as pessoas à minha volta entram em lentos comas, destoando da velocidade do mundo. É inútil tentar raciocinar algo de coerente e, quando tento falar os meus lábios cerram-se cada vez mais. Às vezes espanta-me como aguentas o contínuo borbulhar de ruído, sons que cada vez mais alto se sobrepõe até convergirem no mais puro silêncio. Sim, é angustiante perder o controlo em mim. Não pensas o mesmo? Perco a ordem e equilíbrio e nada parece fazer sentido e, quando a coragem finalmente chega para te tocar, sinto apenas o toque do meu corpo.
Aconteceu tudo de repente, o acordar do meu sonho latente. Sou assim de voos constantes entre realidade e imaginação, como um botão on e off que continuadamente carregam por pura diversão. E se achasse que tivesse nome digno de mencionar diria, mas considero-me apenas ausência. Queria que percebesses porque fugi de ti quando estava prestes a alcançar-te, distraíram-me com vontades sem reais fundamentos. Mas eu sei que voltarei a ver-te, sei a tua verdade e não é difícil de chamar por ti. E um dia tudo será de louvar, irei passar a fronteira e conhecer outros calores.
E foi passado três tempos que de novo te vi, numa noite escura e brilhante como tantas outras. Tinhas feito a tua magia decerto, sentia mais uma vez a bolha que me enclausurava para perto do outro lado. Quis tocar-te para apenas sentir o meu toque em mim, ilusão na qual sempre me encontro. Mas por fim gritei, acima de todo o ruído:
- Porque é que seques as minhas viagens, se tens o teu mundo para viver?
Foi ousadia minha talvez, correr o risco de nunca mais o sentir, o meu reflexo no outro mundo. E igual a todos os outros momentos, a resposta à minha voz foi ela própria. Eu serei para sempre a realidade e imaginação, apesar de inúmeras vezes as ter tentado separar. De novo chego a conclusão que, eu e mais eu serei pois o que quero desagregar não se divide. Eu viajo e o meu reflexo segue, qual fiel companheiro que para a eternidade permanece. E graças a essa união eu vivo e o outro lado também, realidade e imaginação que mutuamente se alimentam.
E de novo ligam-me à vida, saída de um coma, de um sufoco e mais uma vez respiro no que penso ser a realidade.

1 comentário:

Å®t Øf £övë disse...

Pierre,
Isso é ou dupla personalidade, ou a fusão perfeita de dois seres em um só. Eu vou mais pela primeira hipotese.
Abraço.