domingo, 13 de janeiro de 2008

Um Conto aos Corvos

E ela dissera:
- Ganha juízo.
Nem mais nem menos. E assim fiquei, estático, imóvel, retribuindo-lhe o olhar. Olhava para os seus profundos olhos cor de chocolate, que sugavam cada parte do meu ser para perto dela. Depois atingira-me, deixara de ser eu enquanto a mirava! Deveria ter gritado, vomitado as minhas entranhas mais o seu líquido pestilento e obscuro, debater-me perante ela qual titã enfurecido. Acima de tudo deveria ter-me defendido, mas nada fiz e ali fiquei: perplexo, apático. Em conjunto, éramos duas estátuas em silêncio que para a eternidade se fitavam mutuamente. Contudo a verdade era outra, estávamos vivos e a cada um pertenciam um coração sangrento que batia num ritmo diferente.
Quando tinha percebido o que se passava, já as vozes se elevavam a extremos tais que todos os entendimentos se rompiam. E por mais estranho que soe, ela venceu. No seu olhar não se percebia qualquer perturbação, apenas alívio de uma alma que tudo proferiu. No entanto, sentia-me como morto, sem vida ou sopro em mim, era de uma ausência de vontades. É verdade, admito, não estava preparado para ouvir o mundo e acreditar em todos os meus erros. Hoje estou derrotado, abatido e chocado. Nunca antes, eu não tinha sido eu, concha sem motor ou causa, e agora aqui estou de corpo vazio. E em tudo isto, ela olha para mim de feição alterada, parece incrédula, surpreendida; percebe que não estou em mim, que me afectou. Mas não vou permiti-lo por mais tempo, quem sou sempre o serei e de novo quero encher-me de vida. Só preciso de tempo para abrandar e de novo avançar nesta vida de meros tolos paradoxais. Não prometo ou jurarei, mas sei que voltarei a mim próprio: insano, pérfido e absurdo, talvez um pouco mais consciente e teimoso. De novo serei Pierre o Louco, com histórias sem alguma utilidade ou convenção e tudo em mim será mais uma vez questionável. E como um poder que se esgota mas mais tarde retorna, sinto essa mudança a principiar. Ela olha para mim suplicante, nervosa, com receio, pressente o que se avizinha e o que vai na minha mente. E conforto-a perversamente pronunciando meros sorrisos, o que de melhor posso proferir invés de palavras. Delicioso sorriso de perdição que até a mim me causa arrepios. Está prestes a começar, o seu mais temido pesadelo de desgraça. E por fim, os meus sons flutuaram pelo ar:
- Não tenhas medo minha querida. Tiveste o mundo num minuto, dá-me o resto agora! Descansa, afinal não sou assim tão pérfido quanto julgas.

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